terça-feira, 27 de abril de 2010

A Renda Básica de Cidadania na Alemanha

A Alemanha não possui uma lei federal que torne explicito o direito a uma Renda Básica de Cidadania como no Brasil, ou melhor não possui... ainda. O parlamento alemão conta não apenas com um mas quatro defensores deste direito. E o mais importante: há iniciativas criadas por cidadãos para promover este direito e manter acesos um debate sério por todo o pais envolvendo não apenas políticos e acadêmicos, mas a sociedade como um todo, incluindo grandes empresários.

Alias o nome mais conhecido na mídia e um dos principais responsáveis pela popularização e fortalecimento da Renda Básica Incondicional é como no Brasil também um professor, mas não também um político e sim empresário, não por acaso, um dos mais bem sucedidos de toda Europa: Gotz Werner professor da Universidade de Karlsruhe e fundador da revolucionaria rede de drogarias DM.

Sim, o dono de uma biografia de sucesso, o clássico made by yourself da América, é um dos maiores defensores de uma renda básica garantida, paga a todos os cidadãos independente de contrapartidas ou condicionalidades. As razoes que levam um homem que sabe muito bem o que fazer e, sobretudo, como fazer dinheiro, a defender uma renda básica incondicional é algo que vale a pena refletir e estudar. (Nota: por isso mesmo já passa da hora de termos uma edição em língua portuguesa do seu livro (Renda Para Todos), devidamente prefaciado pelo nome mais conhecido da Renda Básica no Brasil, o senador Eduardo M. Suplicy.)

Contudo, ao contrário do Brasil, onde a RBC conta  apenas com o Senador Suplicy que luta quase sempre sozinho, ou para não ser injusto, as vezes com um exercito de ‘brancaleones’, Gotz Werner não esta sozinho. Sua proposta para colocar a RBC em prática não só conta com diversos apoiadores, como inclusive não é a única: além do modelo de tributação proposto pelo Prof. Gotz Werner, há ―literalmente― espaço para se debater todos os modelos tributários capazes de viabilizar uma renda incondicional.

Cabe ressaltar que esse debate sobre o melhor modelo de tributação para a RBC não se reduz a um mero: de onde vamos tirar o dinheiro para pagar a Renda básica? quem vai pagar? Nem muito menos qual o novo imposto que será inventado?  É sim uma verdadeira discussão sobre reformulação do sistema tributário, e talvez até do sistema de seguridade social.  

Arrisco-me por esta razão até a dizer que se (ou quando) a RBC for promulgada na Alemanha, ela não apenas sairá imediatamente do papel como não irá apenas se restringir a um programa assistencial de transferência de renda governamental. Poderia até ser a base de todo um novo sistema de proteção e seguridade social capaz de superar as limitações intrínsecas tanto do modelo bismarkiano quanto do welfare estate.

Claro, que minhas previsões não valem nada, pois faz tempo que não sou nem quero ser um observador isento – precisamos de mais players e menos observadores, isentos ou não―. Logo, minha visão pode ser considerada fruto de uma projeção de anseios sobre a Renda Básica de Cidadania não só para Alemanha, mas evidentemente para o Brasil e porque não? para todas as Nações do Mundo.

Contudo anseios a parte, que ninguém se surpreenda se a Alemanha der esse salto muito antes do Brasil, mesmo sendo relativamente mais fácil em números (não em resistências)  para nosso pais realizar essa conquista. A saber: o valor proposto para uma possível renda básica incondicional na Alemanha gira em torno de 1000 euros por pessoa. Só para se ter uma idéia: nos projetos pilotos da RBC na Otiviero-Omitara na Namíbia e Quatinga Velho Brasil no ano passado o valor pago foi algo em torno de 10 e 12 euros respectivamente, não são valores ideais, mas ainda sim é um começo real.

Entretanto, antes que os brasileiros complexados de plantão, digam que os alemães ou europeus tem um debate sobre a RBC muito mais sério e maduro do que nosso, porque eles são mais desenvolvidos, educados ou ricos do que nós, faço questão de adiantar que é justamente por haver entre eles um número considerável de pessoas prontas a rejeitar veementemente esse tipo de generalizações estúpidas, preconceituosas e perigosas, que eles conseguem elevar o nível do debate sobre RBC.

Diria sobretudo que a Alemanha sabe melhor do que qualquer Nação do mundo o quão perigoso é se enveredar pela senda da discussão sobre tipos ou classes de pessoas que podem, devem ou merecem ter seus direitos fundamentais garantidos. Creio que a Alemanha historicamente sabe onde esse tipo de discriminação estatal pode levar se não for cortada pela raiz, logo no começo, ainda quando é quase que produto inconsciente de complexos, ou como diria outro, das melhores das intenções - se esquecendo que em nome das “melhores intenções” se produziram as piores barbaridades contra a humanidade, inclusive no Brasil.

Na Alemanha falar de uma Renda Básica que não seja incondicional não apenas não faz sentido, como pode, por vezes, até mesmo soar quase como uma proposta de violação de direitos e liberdade inalienáveis não apenas do cidadão, mas do ser humano. E justiça seja feita: a exceção de uma minoria que se vale da miséria para sustentar seus privilégios imorais, e as vezes ilegais, tenho certeza que para a maioria dos brasileiros também não será diferente, principalmente quando pusermos fim a essa campanha ridícula de desinformação e todos finalmente pudermos ter acesso a informação correta do que é a renda básica de cidadania: um direito fundamental de todo ser humano.

Talvez então tenhamos não apenas mais políticos fazendo da RBC sua plataforma de campanha, como na Alemanha, ou mais empresários do valor e porte de um Gotz Werner suficientemente esclarecidos para perceber as vantagens da renda básica incondicional. Talvez até tenhamos algo ainda mais importante do que apoio de políticos ou empresários: teremos mais cidadãos dispostos a renunciar a suas merecidas horas de lazer para discutir com seriedade como garantir seus direito a uma renda incondicional como nas cidades e iniciativas da RBC que nos receberam de braços abertos.

Quem sabe não teremos  até cidadãos capazes ate de tomar decisões tais como: de não votar em quem não esteja disposto a pô-la em pratica; nem comprar de empresas que não estejam a pagar por ela - não  nos esquecendo, primeiro que muitas empresas já estão pagando em impostos um valor muito maior do que o necessário para uma renda básica; e segundo que essa clássica questão de como fazer o dinheiro do contribuinte voltar para o cidadão sem se perder na corrupção ou burocracia se resolve com a incondicionalidade e transparência absolutas.

Cidadãos dispostos a constituir verdadeiros movimentos de base que tivemos a felicidade de conhecer e nos conectarem nossa excursão pela Europa, não apenas nas cidades da Alemanha, mas na Suíça, Itália, Dinamarca e Inglaterra. Iniciativas que aqui no Brasil tivemos a oportunidade de participar em Santo Antonio do Pinhal: um movimento de base mantido por não mais que três voluntários e iniciado pelo esforço pessoal de uma única cidadã Marina Nóbrega, e que não por acaso, culminou na aprovação da primeira lei municipal de garantia de uma Renda Básica de Cidadania. Uma cidadã, três voluntários: foram capazes de mobilizar políticos e colaboradores para garantir um direito fundamental em sua cidade. O que poderiam fazer os cidadãos de todo uma Nação?

O que não podem fazer os cidadãos do Mundo? Pessoas que não estão mais dispostos a ficar esperando que sua renda básica seja lhe dada graça da boa vontade de seus representantes; O que não podem fazer os cidadãos do Mundo dispostos não apenas a pagar para que seu povo tenha seus direitos garantidos, mas para que ate mesmo pessoas em outros países como Namíbia ou Brasil também tenham acesso ao mesmo direto? mesmo sabendo que no Brasil temos condições de fazê-lo com seus próprios recursos? Pessoas que decidiram adotar uma renda básica de cidadania por tempo indeterminado, ou que movimentaram suas redes sociais para dar visibilidade para nosso projeto experimental da RBC em Quatinga Velho, mesmo sabendo que no Brasil temos pessoas com condições mais do que suficientes para fazer o mesmo?

Voltamos de nossa excursão da Europa felizes por saber que não estamos sozinhos, e com uma pergunta quando os brasileiros que tem condições vão acordar para o fato que nosso povo e tão digno de confiança quanto qualquer outro. Quando nós vamos acabar com as condições degradantes de nosso povo, para podermos enfim assumir também, a nossa responsabilidade no Mundo e passar a pagar para que qualquer ser humano em qualquer lugar do planeta, brasileiro ou não, tenham seus direitos fundamentais garantidos?

Quando decidimos iniciar o pagamento da RBC em Quatinga Velho com nossos poucos recursos não apenas financeiros, mas humanos, quando decidimos dispor de todo nosso capital e trabalho não para um ser humano abstrato, de papel, mas o ser humano real, as pessoas que estavam próximas a nos literalmente dentro do nosso alcance e possibilidades de garantir uma renda básica incondicional para todos moradores de uma mesma comunidade sem nenhum tipo de discriminação, sabíamos que estávamos tomando a decisão mais acertada do ReCivitas, mas jamais imaginaríamos que por causa dela, teríamos a oportunidade de contribuir de forma tão significativa para um movimento tão importante não apenas para o Brasil, mas para o Mundo.

Dias 30 de Junho, 01 e 02 de Julho em São Paulo - Brasil, se realizara na Universidade São Paulo - USP  o 13°. Congresso da BIEN Basic Income Earth Network. Uma grande oportunidade para abrir nossos ouvidos para o que é uma verdadeira sociedade civil e segurança social  em um Estado capaz de cumprir de fato sua finalidade primordial: garantir a vida e a liberdade de seus cidadãos.

Marcus Vinicius Brancaglione dos Santos                                                                           05 de Abril de 2010

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